O Direito é uma ciência social que acompanha a evolução da sociedade e das relações. Em razão disso, as leis podem mudar, evoluir e se adaptar às necessidades dos indivíduos. Quando ocorre alguma mudança em alguma lei, a exemplo da Reforma da Previdência, surge a dúvida: como ficam os meus direitos perante às novas leis?
A fim de conferir segurança jurídica aos cidadãos, a Constituição Federal estabeleceu o chamado direito adquirido, uma das principais garantias de um Estado Democrático de Direito. O direito adquirido provoca reflexos em todos os ramos do Direito, inclusive no Direito Previdenciário.
Neste artigo, vamos explicar o que é o direito adquirido, sua relação com o Direito Previdenciário e o que mudou após a Reforma da Previdência. Acompanhe e entenda tudo sobre o assunto!
O que a Lei diz sobre o direito adquirido?
O direito adquirido é resguardado pela Constituição desde a segunda Constituição Federal do Brasil enquanto República, exceto a Carta Magna de 1937, considerada uma das Constituições mais autoritárias que o Direito brasileiro já teve.
Na Constituição Federal de 1988, a primeira após a redemocratização do país e que está vigente até os dias atuais, direitos sociais e garantias fundamentais foram proclamadas.
Nesse sentido, seu art. 5º traz diversos direitos fundamentais e garantias constitucionais. Uma dessas garantias é o direito adquirido proclamado pelo art. 5º, inciso XXXVI da Constituição de 1988. De acordo com esta cláusula “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, Decreto-Lei nº 4.657/42, conhecida como LINDB, em seu artigo 6º dispõe que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.
O que é direito adquirido?
A legislação não traz definição sobre o que é o direito adquirido, cabendo à doutrina e à jurisprudência tentar conceitua-lo ao longo dos anos.
O direito adquirido representa os direitos já garantidos e pertencentes ao patrimônio jurídico do sujeito, não podendo ser desconstituídos ou modificados, mesmo em função da promulgação de novas leis.
Dessa forma, a interpretação que se dá ao inciso XXXVI da Constituição Federal e ao art. 6º da LINDB é que a lei não poderá ferir, dentre outras garantias, o direito adquirido, não podendo suprimir direitos já incorporados ao patrimônio jurídico de seus titulares.
Como funciona o direito adquirido?
De forma geral, direito adquirido é aquele que, por determinação ou obrigação vinculada a uma lei, já pertence ao titular de determinado direito, já faz parte de seu patrimônio jurídico. Um direito adquirido não poderá ser suprimido, extinguido ou modificado por lei, caso isso aconteça a lei poderá ser considerada inconstitucional.
Ocorre que, assim como muitos princípios constitucionais, o direito adquirido não é absoluto. A exceção acontece somente se houver alteração da Constituição Federal por meio de uma nova Assembleia Constituinte, criando-se um novo ordenamento jurídico.
Para que um direito subjetivo se torne um direito adquirido é necessário que o titular do direito tenha cumprido todos os requisitos legais para fazer jus a ele.
Como funciona a garantia do direito adquirido?
O direito adquirido é um direito exercitável que pode depender de um prazo ou de requisitos fixados pela lei. Para que o direito adquirido se concretize, o titular de direitos deve cumprir os requisitos legais até a data da promulgação de uma nova lei, como aconteceu com a Reforma da Previdência, publicada em 12 de novembro de 2019.
Outro exemplo da garantia do direito adquirido está na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). O art. 468 da CLT prevê o direito adquirido nos contratos individuais de trabalho e estabelece que só é lícita a alteração das respectivas condições de trabalho por mútuo consentimento entre empregado e empregador, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Sendo assim, considerando, por exemplo, que o empregador pague a seus empregados vale-transporte, plano de saúde e vale-alimentação, ele não poderá cortar os benefícios concedidos aos empregados por mera discricionariedade, pois esses benefícios incorporam-se ao contrato e passam a ser considerados direitos adquiridos.
Direito adquirido e a previdência social
Nos últimos anos, uma das mudanças de legislação que mais gerou dúvidas nos cidadãos foi a conhecida “Reforma da Previdência” de 2019.
A Previdência Social é o sistema previdenciário brasileiro, composta por um conjunto de regras e serviços com o objetivo de garantir aos trabalhadores e segurados o direito à aposentadoria e diversos benefícios como auxílio-acidente, seguro-desemprego, auxílio-doença, pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-maternidade, entre outros.
Vamos entender, em linhas gerais, como funciona a Previdência Social e qual sua relação com o direito adquirido.
O órgão mais famoso que compõe a Previdência é o INSS. O INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) é a autarquia federal responsável pela administração, concessão e pagamento dos benefícios e pela gestão do RGPS – Regime Geral de Previdência Social.
O RGPS é de adesão obrigatória para todos os cidadãos que exercem atividades remuneradas, sejam trabalhadores celetistas, que possuem carteira de trabalho assinada, ou trabalhadores autônomos. No Brasil existe também o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), regime público específico para servidores públicos concursados e titulares de cargos efetivos.
A Reforma da Previdência, aprovada pela Emenda Constitucional (EC) nº 103, de 12 de novembro de 2019, provocou diversas mudanças no RGPS e no RPPS para os trabalhadores urbanos. As alterações implementadas pela Reforma da Previdência não atingiram os trabalhadores rurais.
Por ser um tema de difícil compreensão por parte dos cidadãos, muitos ficaram temerários sobre a possibilidade de perder direitos após trabalhar ou contribuir por muitos anos. As regras de aposentadoria, as alíquotas de contribuição e a forma de calcular o benefício, por exemplo, mudaram drasticamente. Uma das mudanças que mais gera dúvidas é o fim da aposentadoria por tempo de contribuição.
Anteriormente à Emenda Constitucional 103 o trabalhador poderia se aposentar nesta categoria se comprovasse o tempo total de 35 (trinta e cinco) anos de contribuição, se homem, ou 30 (trinta) anos de contribuição, se mulher, com carência mínima de 180 (cento e oitenta) contribuições para ambos.
Após a EC n.º 103, a regra geral estabelece que os homens poderão se aposentar aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade e 20 (vinte) anos de contribuição e as mulheres, aos 62 (sessenta e dois) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuição.
Com todas essas mudanças, o legislador precisou assegurar o direito adquirido na Nova Previdência para não atingir os direitos das pessoas seguradas. O Princípio da Segurança Jurídica é um dos basilares da Nova Previdência e assegura ao cidadão que o direito adquirido será resguardado, como manda a Constituição Federal no art. 5º, inciso XXXVI.
Qual a diferença entre direito adquirido e expectativa de direito?
O direito subjetivo somente se concretiza em direito adquirido quando são satisfeitos os requisitos exigidos pela lei. Caso os requisitos não tenham sido cumpridos, tem-se apenas mera expectativa de direito.
A expectativa de direito consiste em um direito que se encontra na iminência de ocorrer, mas que não produz os efeitos do direito adquirido, pois não foram cumpridos todos os requisitos exigidos pela lei.
Considerando a temática da Reforma da Previdência, tem-se o seguinte exemplo:
Maria é uma trabalhadora e segurada do INSS que em 11 de novembro de 2019 possuía 29 (vinte e nove) anos de contribuição e poderia se aposentar com 30 (trinta) anos de contribuição em 2020. Maria detinha a expectativa do direito à aposentadoria, pois poderia se aposentar quando completasse 30 (trinta) anos de contribuição, independente de sua idade.
Com a publicação da Emenda Constitucional n.º 103 em 12 de novembro de 2019, a aposentadoria por tempo de contribuição deixou de existir. Como Maria não completou os requisitos exigidos legais exigidos até a data da publicação da lei nova, ela não possuía o direito adquirido de se aposentar, apenas a expectativa do direito.
Caso, em 12 de novembro de 2019, Maria tivesse 30 anos de contribuição completos, ela poderia se aposentar seguindo as regras da lei antiga, pois já havia satisfeito os requisitos legais para ter o direito adquirido de se aposentar por tempo de contribuição. Valerá para ela as regras de transição aprovadas pela Reforma da Previdência que analisaremos em tópico adiante.
Quem tem direito adquirido com a Reforma da Previdência?
A Nova Previdência causou insegurança nos segurados e trabalhadores. Muitos ficaram com medo de perder o direito à aposentadoria.
Por isso, é importante ressaltar que os segurados do RGPS e RPPS que cumpriram todos os requisitos legais exigidos para a aposentadoria até a data em que a Reforma da Previdência entrou em vigor possuem direito à aposentadoria com base na lei antiga em virtude da garantia do direito adquirido.
Assim dispõe o art. 3º da Emenda Constitucional n.º 103, “a concessão de aposentadoria ao servidor público federal vinculado a regime próprio de previdência social e ao segurado do Regime Geral de Previdência Social e de pensão por morte aos respectivos dependentes será assegurada, a qualquer tempo, desde que tenham sido cumpridos os requisitos para obtenção desses benefícios até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, observados os critérios da legislação vigente na data em que foram atendidos os requisitos para a concessão da aposentadoria ou da pensão por morte”.
Os trabalhadores que passaram a contribuir para o RGPS após a entrada em vigor da Reforma da Previdência se enquadram nas regras novas e deverão se aposentar por idade, com o novo tempo mínimo de contribuição exigido pela nova lei.
Existe direito adquirido a regime jurídico?
O Superior Tribunal Federal (STF), no Tema 24 definido na tese do Recurso Especial (RE 563.708) de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, publicado no DJE 81 de 02 de maio de 2013, firmou a tese de que “não há direito adquirido a regime jurídico, notadamente à forma de composição da remuneração de servidores públicos, observada a garantia da irredutibilidade de vencimentos”. Com isso, é pacífico nas decisões dos Tribunais que não existe direito adquirido a regime jurídico.
A expressão “regime jurídico” é utilizada para definir o conjunto de normas, regras e penalidades aplicáveis a determinadas relações e categorias dentro do Direito. Por exemplo, tem-se o regime jurídico dos servidores públicos, chamado de Regime Jurídico Estatutário; o regime jurídico trabalhista, dentre outros.
Com isso, dizer que “não existe direito adquirido a regime jurídico” significa dizer que há limites para a aplicabilidade do direito adquirido dentro do dos regimes jurídicos, mais especificamente o dos servidores públicos, pois mudanças nas regras de regimes jurídicos próprios podem trazer alterações para os sujeitos à esses regimes, mesmo que os requisitos legais anteriores já tenham sido cumpridos.
Uma discussão recorrente nos Tribunais diz respeito à mudança de cálculo nos vencimentos dos servidores. A jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que não há, para o servidor público, direito adquirido em relação à forma como são calculados os seus vencimentos, mas apenas no que diz respeito à irredutibilidade de vencimentos.
Direito adquirido e as regras de transição
As regras de transição existem para que os direitos adquiridos dos indivíduos não sejam feridos. Para os filiados ao RGPS e ao RPPS antes de 2019, a Emenda Constitucional n.º 103 prevê algumas regras de transição para o acesso ao direito à aposentadoria, a fim de conferir segurança jurídica aos titulares de direitos previdenciários e assegurar o cumprimento ao inciso XXXVI do art. 5º da Constituição de 1988.
As regras de transição devem ser aplicadas no caso concreto de cada trabalhador. As regras de transição para professores serão aplicadas de forma diferente, porém não exclui a garantia ao direito adquirido.
Uma das regras de transição mais importantes diz respeito à aposentadoria por tempo de contribuição do trabalhador. Até a data de entrada em vigor da Reforma da Previdência, 13 de novembro de 2019, esse trabalhador tem o direito adquirido de se aposentar por contribuição se houver preenchido os seguintes requisitos:
- Mulher: 30 anos de contribuição e 56 anos de idade;
- Homem: 35 anos de contribuição e 61 anos de idade.
A partir de 2020, a idade mínima é acrescida de 6 meses a cada ano, até atingir 62 anos de idade, se mulher, e 65 anos, se homem.
Para conhecer melhor as regras de transição e os seus direitos, procure um advogado da nossa equipe. Gostou do conteúdo? Acompanhe nosso site para se manter informado e por dentro dos seus direitos!